Não sei se foi um elogio ou um alerta, mas estes dias uma pessoa me encontrou e falou que eu sou muito corajoso. O motivo é que vim a público falar que tenho transtorno bipolar do humor. Ele disse também ser portador da doença, mas que esconde de tudo e de todos, tem medo de ser estigmatizado, perseguido e até mesmo ser demitido do trabalho.
Infelizmente esta é uma triste realidade de muitos. Assumir ter uma doença mental pode colocar um grande X nas suas costas. Imagine a seguinte situação: entrevista de emprego e lá estão dois candidatos. Um deles até possui algumas habilidades a mais, mas informa ao recrutador que é bipolar. Será que essa pessoa vai mesmo ser contratada?
Não é de hoje que este assunto tem sido alvo de estudos.
Já na Grécia Antiga os humores corporais e diferentes estados emocionais eram estudados pelo pai da medicina Hipócrates (460 e 370 aC) que desenvolveu a Teoria dos Quatro Humores, que influenciou a medicina ocidental por séculos.
Segundo ele, a saúde era mantida pelo equilíbrio entre quatro “humores” corporais: sangue, fleuma, bile amarela e bile negra. Cada humor estava associado a um temperamento específico (sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico) e acreditava-se que o desequilíbrio desses humores causava doenças físicas e mentais.
Então estamos falando que a questão já era discutida há quase 2.500 anos.
Mais recentemente, em 1854, o psiquiatra francês Jean-Pierre Falret descreveu pela primeira vez uma condição que ele chamava de "folie circulaire" (loucura circular), onde os pacientes alternavam entre estados de mania e depressão. Ele é creditado como um dos primeiros a considerar o que hoje chamamos de transtorno bipolar.
Quase ao mesmo tempo, o psiquiatra alemão Karl Ludwig Kahlbaum também encontrou variações de humor em seus pacientes e desenvolveu estudos importantes sobre a condição.
Em 1899, o psiquiatra alemão Emil Kraepelin foi o primeiro a consolidar e organizar o conceito moderno da doença em seu trabalho sobre transtornos de humor. Ele usou o termo "psicose maníaco-depressiva" para descrever o que hoje seria o transtorno bipolar, destacando a recorrência e a alternância de episódios de mania e depressão. Kraepelin diferenciou o transtorno maníaco-depressivo de outras formas de psicose, como a esquizofrenia, e isso foi um marco importante na história do diagnóstico psiquiátrico.
Passaram-se quase 100 anos para que o termo "transtorno bipolar" começasse a ser amplamente usado na psiquiatria. Isso aconteceu a partir da década de 1980, quando o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), em sua terceira edição (DSM-III, 1980), desenvolveu a classificação "Transtorno Bipolar" em vez de "psicose maníaco-depressiva".
Essa mudança refletiu uma abordagem mais ampla e menos estigmatizante, e ajudou a enfatizar a bipolaridade dos episódios de humor, em vez de sugerir psicose, que é menos comum entre os bipolares.
Nos anos seguintes, o diagnóstico do transtorno bipolar foi refinado e, hoje, inclui várias formas da doença, como o Transtorno Bipolar I , Transtorno Bipolar II , e Ciclotimia (uma forma mais leve e crônica). Também houve uma maior compreensão de suas causas biológicas, genéticas e ambientais.
Assim sendo, não temos motivos para nos envergonhar ou então nos esconder. Nada de sair por aí culpando a genética ou tentar entender o porquê. Apenas viva um dia de cada vez, tome a sua medicação, não interrompa o tratamento e viva uma vida plena.
Assumir sua condição não é sinal de fraqueza ou de força, simplesmente pode reforçar em você a necessidade de se tratar. Você não é e nem está louco, pelo contrário, procurar um psiquiatra mostra a sua sanidade. Sentir-se ou não estigmatizado vai depender muito de você e de como você encara sua doença, suas próprias fraquezas, e entende que você vai sair fortalecido disso tudo.
Por ser uma doença crônica, ou seja, que não possui cura, não é o fim, pode sim ser o começo. O tratamento adequado e contínuo vai te devolver a qualidade de vida e vai te trazer a tão sonhada paz.
Não tenha medo, ser bipolar não é uma sentença de morte, incapacidade ou degradação humana, pelo contrário. Cabe a cada um de nós, eu e você, nos posicionarmos perante as pessoas e a vida e decidir se vamos continuar escondidos ou vamos sair da toca e ajudar aqueles que ainda estão sofrendo.
É aquela história, se ele conseguiu eu também consigo. Como diz um amigo meu, “macaco vê, macaco faz”.
Buscar ajuda é um ato de coragem, de quem confirma o valor de cada novo dia. E não estamos falando apenas de encontrar um culpado para as dificuldades, mas de trilhar o caminho do cuidado verdadeiro, que transforma e fortalece.
Afinal, cuidar da mente é se abrir para viver plenamente, com esperança e propósito.
*Luiz Fernando é jornalista em Cuiabá, palestrante, terapeuta holístico e criador do método CURE que auxilia no tratamento para a bipolaridade. @luizfernandofernandesmt (FALE COM O LUIZ)
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